sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

“Deus olhou para o meu coração” (1 Sm 16,7b).

15 anos de Ordenação Presbiteral – 19/01/1997 – 19/01/2012

Homilia



( Foto tirada por Jéssica Camargo, após a celebração, enquanto eu segurava a Manuela, a sua linda filha)


“Deus olhou para o meu coração” (1 Sm 16,7b).

Essa passagem da Sagrada escritura, define bem o que estou celebrando hoje, rodeado pelos amigos, que são também meus irmãos. Quinze anos se completa hoje, desde o dia, em que recebi, aqui, nesta Igreja, diante deste altar, o sacerdócio ministerial. Foi um dia de muita alegria e grata satisfação pela resposta que estava dando a Deus pelo chamado que ele fez em minha vida. Tal resposta só foi possível porque tive uma boa educação cristã, pois desde cedo, fui educado na fé pelos meus pais. A minha família, foi a minha primeira escola de catequese. Foi nela que aprendi a rezar as primeiras orações do cristão e a conhecer o catecismo da doutrina cristã. Foi nessa mesma escola que descobri que, Jesus, deu a sua vida por nós ao morrer numa cruz, quando um dia eu lia as estações da via-sacra, digo lia, porque não estava rezando, uma vez que era o meu primeiro contato com a realidade da doação do Senhor. Lembro-me que era noite. Essa mesma cruz, na qual o Senhor foi crucificado, eu a contemplei na sacristia, antes de começar a cerimônia da ordenação, naquele passado dia 19 de janeiro de 1997. Foi depois substituída por outra. Mas eu a pedi a D. Estevam e a conservo comigo até hoje. Naquela ocasião, tinha muitos medos, inclusive, o de me apresentar em público. Diante do que ia assumir só me restava olhar para a cruz e me entregar. Quando D. Alano me chamou para uma breve conversa, antes de tudo começar, ainda na hospedaria, me pediu para confiar na graça e não temer por causa das fraquezas que todos carregamos. Foi aí que lhe pedi que no momento da imposição das suas mãos, ele invocasse ao Espírito Santo para que me curasse desse medo e de outros. Quando suas mãos de Bispo, pastor, sucessor dos Apóstolos tocaram a minha cabeça, que anda tinha cabelos, senti ser acesa a chama do dom de Deus. Aquilo me trouxe alívio, renovou a minha esperança. Naquele período, já circulavam notícias tristes sobre alguns sacerdotes e, o ser padre, parecia passar uma ideia pejorativa, já que, havia outras opções menos arriscadas do ponto de vista do cuidado com a própria imagem. Há uma tendência natural em não correr risco, em não manchar o nome, a cara, a honra. Eu senti tudo isso naquele momento. Por isso, olhei para a cruz e me entreguei àquele que manifestou por mim todo o amor do Pai e, assim, juntos, comecei a fazer com Ele, o caminho da aventura onde a cruz também está edificada. Abracei o sacerdócio com o desejo de ser testemunha da esperança. Ainda não conhecia o testemunho dado pelo grande bispo vietnamita Francois X. N. Van Thuan. O verde, cor litúrgica da missa do 2º Domingo do Tempo comum do ano B, dia em que fui ordenado, significava para mim o testemunho de esperança que devia dar como padre. Mas não era claro para mim como esse testemunho se daria. A cruz que esteve tão presente na minha vida desde aquele dia, é a chave que me abre a porta a compreensão desse mistério. O meu testemunho de esperança se daria pela cruz da humilhação e da vergonha. É desse altar que devo testemunhar a esperança e, permanecer com os “olhos fixos em Jesus”, pois sei, ele continua “olhando bem” ( Jo 1,42) para mim e para cada um de nós. Esse é o caminho que tenho percorrido ao longo desses 15 anos de presbítero. Os outros por onde andarei ainda, desconheço, mas, hoje, como há 15 anos, “coloco minhas mãos por entre as dele” para que Ele me conduza e me sustente pela estrada que “devo andar ainda” (canto que ouviremos no final da celebração). Posso dizer ainda que, o mosteiro de Itaporanga, foi a minha 2ª escola de maturidade na fé e na vocação monástica e sacerdotal. Essa comunidade que me acolheu com “misericórdia” e me deu tudo o que eu não teria recebido em nenhum outro lugar, seja em relação a mim, no que diz respeito a minha formação, seja em relação a minha família, quando a dor da perda também me feriu, foi aqui que fui acolhido, amparado e sustentado pela solidariedade de todos, não só de orações, mas também material. O mosteiro que me acolheu me educou e me apresentou a Igreja, na pessoa do grande e saudoso abade D. Estevam Stork, exerceu para comigo o mesmo papel do sacerdote Heli em relação ao menino Samuel. Toda a comunidade foi meu mestre no caminho do discernimento. Nas horas difíceis, sempre pude receber dos irmãos uma “palavra boa” que me estimulava a continuar no caminho da aventura que comecei a fazer aos 17 anos de idade. Daqui a três anos, celebrarei meu jubileu de prata de profissão monástica nesta comunidade. Aqui, encontrei uma comunidade madura, mas ao mesmo tempo, muito exigente em relação aos formandos. Hoje só posso dizer que tudo foi “muito bom”, uma vez que as exigências feitas me ensinaram o caminho da renúncia ao meu modo de ver as coisas e as pessoas, mas ao mesmo tempo, me ensinaram que eu devia ser cada vez mais eu mesmo e assim assumir minha identidade como pessoa, monge e presbítero. Foi aqui que aprendi como devia responder ao chamado de Deus na minha vida e tendo retornado há seis meses, depois de 12 anos e três meses exercendo o ministério pastoral em Riversul, passando em seguida por Jequitibá, lá na bahia, onde aprendi a amar e a acolher os baianos de lá e que também estão muito presentes no meu coração, aqui estou de novo, no meio de vocês e com vocês, para renovar a minha resposta ao senhor: “Fala, que teu servo escuta!” (1 Sm 3,10). O texto bíblico diz que, após essa resposta, Samuel “crescia, e o senhor estava com ele” (1 Sm 3, 19). Com essa celebração de ação de graças, quis agradecer de novo a Deus, na companhia dos amigos, como o faço desde o 5º ano, preparando-me assim, de cinco em cinco anos, para o meu jubileu de prata sacerdotal.

É verdade que os 15 anos que celebro hoje, me faz compreender o sentido da infância espiritual de santa Teresinha, isto é, fazer com muito amor, os pequenos serviços em casa e fora, quando necessários.

 Hoje, começo a entrar na juventude sacerdotal e quero vivê-la com o entusiasmo de sempre. O entusiasmo com o qual administrei os mistérios de Deus.



A 2ª leitura tirada da 1ª carta de Paulo aos Coríntios 4,1-5, em substituição a que é própria do 2º Domingo do tempo comum, que escutamos domingo passado, dá o arremate ao modo como procurei me comportar na qualidade de presbítero. O 1º versículo foi o que escolhi para ser o meu lema sacerdotal: “Servidor de Cristo e administrador dos mistérios de Deus”. Na administração dos sacramentos sempre tive a consciência de ser apenas o administrador, não por merecimento meu, mas por pura bondade de “Deus” que é “rico em misericórdia”, ou seja, instrumento do Senhor. A oração depois da ladainha na missa da vigília pascal, rezada por mim ao longo de 12 páscoas em Riversul, fortalecia em mim essa consciência – a oração reza assim: “Ó Deus de bondade, manifestai o vosso poder nos sacramentos que revelam vosso amor. Enviai o espírito de adoção para criar um novo povo, nascido nas águas do batismo. E assim possamos ser em nossa fraqueza instrumentos do vosso poder”. Como administrador desses mistérios e dos bens da comunidade, busquei ser fiel. Mas eu não posso me julgar justo. Em mim há falhas, defeitos e pecados. Quem me julga é o Senhor. Por esses dias, rezando com atenção os salmos das horas menores, descobri palavras de conforto diante do que acabo de dizer: “De vossos julgamentos não me afasto, porque vós mesmos me ensinastes vossas leis” e “Vossa palavra é para mim a esperança (Sl 118/119,102.114 – Noa 4ª feira da II semana). Por isso, não me importa ser julgado por alguns.



Passados 15 anos desde que, ouvi com muita consciência o anúncio profético de João Batista aos dois discípulos que estavam com ele, como que dirigido também a mim – “e, vendo Jesus passar, disse: Eis o Cordeiro de Deus!”, desde então, me fascina essa passagem do Evangelho de São João que escutamos há pouco. Quando o diácono proclamava esse evangelho na tarde daquele domingo, aqui nesta mesma Igreja, era como se eu estivesse vivendo tudo aquilo. Era como se estivesse sem fazer a travessia do rio Jordão, o que faria ajudado pelo abade D. Estevam e os irmãos. Após a proclamação do Evangelho, fui chamado a fazer a travessia entre o arco central, até chegar ao presbitério. Ali, ou melhor, aqui onde estou hoje, também perguntei no coração: “Mestre onde moras?” e ele me respondeu: “Queres, pois, desempenhar sempre a missão de sacerdote no grau de presbítero, como fiel colaborador da ordem Episcopal, apascentando o rebanho do Senhor, sob a direção do Espírito Santo”? Quero, respondi. Esse ato livre da minha vontade tem me levado a ir ver onde mora o Senhor. Ele mora no coração do Pai e no coração da nossa humanidade. Há quinze anos vivo no cenáculo do coração de Jesus e Ele, por sua vez, me coloca no coração do Pai e, desse modo, obedecendo a sua ordem: “Fazei isso em memória de mim”, juntos, entramos em comunhão com Ele e com o Pai na unidade do Espírito Santo, em cada Eucaristia que celebramos. Há 15 anos também proclamo: “Eis o Cordeiro de Deus” e “elevo cada dia o Cálice da Salvação”. Tenho celebrado o santíssimo sacramento da eucaristia, mesmo quando estou sozinho. Foram poucas às vezes em que fiquei sem o celebrar, como também, nunca deixei de realizar toda a oração da liturgia das horas como assumir naquele dia. A eucaristia diária é para mim fonte de vida e inspiração. É aqui que entra o meu “permanecer com ele”. O evangelho afirma que os dois ao convite de Jesus, “vinde ver”, “foram ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele”. É na eucaristia diária que está a nossa comunhão vital com o Senhor. A eucaristia sustenta a nossa vida e missão de sacerdotes. Por isso, o nosso testemunho de adoração eucarística, ainda que por breve tempo, junto do povo, deve ser uma luz a iluminar o coração de todos e em todos, despertar o mesmo desejo de adoração. Nunca me esquecerei da criança que um dia estava comigo ajoelhada diante do santíssimo antes de começar a missa, como sempre costumava fazer. Ela queria adorar o senhor como eu. Tinha assumido até mesmo a minha postura.

Diante deste altar, fiz, há quinze anos, a maior e mais rica experiência do amor de Deus. Nunca esquecerei esse dia. Parecia que meu espírito tinha saído de dentro de mim para ser ocupado pelo Espírito de amor do Senhor. Senti a comunhão solidária dos santos invocados desde o momento da ladainha e parecia estar sendo visto, da porta do coro superior, pelo olhar de Deus. Tudo, naquele dia respirava santidade. A santidade de Deus enchia a minha alma e esse espaço.



O tempo passa muito rápido e, muita coisa, cai no esquecimento. Mas o tempo como Kairós, graça, esse permanece vivo e atual no coração. Por isso, não me assusta o fato de estar me consumindo nesse serviço e mesmo se “passo à noite a gemer até a aurora”, e isso aconteceu inúmeras vezes (Ct Isaías 38,13), “elevarei as minhas mãos para louvar-vos e, com prazer meditarei vossa vontade” (Sl 118/119.48). Hoje, assumo novamente, testemunhar a esperança, porque, ela se apoia no amor fiel de Deus.



Queridos irmãos, aceitem essa minha reflexão não como, um discurso bem articulado de ideias, uma vez que ele sai de uma pessoa que vocês o conhecem bem, mas vejam nele, o meu louvor, a minha gratidão a Deus pelo que ele fez e faz na minha vida. Eu creio no que disse e quero contar com as orações de cada um para “não deixar cair por terra nenhuma palavra de Deus” (1 Sm 3,19). A ele agradeço também por ter me dado cada um de vocês, pois foi com vocês e por vocês que aprendo a crescer na fé, na esperança e na caridade.

Bendito seja o Senhor Deus!

Bendito seja o seu nome glorioso!

Bendito seja eternamente! Amém, amém!

Obrigado!!!


Pe. Basílio J. Ilton Alves, O. Cist

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