sexta-feira, 9 de setembro de 2011

22º DOMINGO DO TEMPO COMUM - PARTICIPAR DA CRUZ



À medida que se aproxima a conclusão do ano litúrgico, a liturgia vai nos colocando mais próximos do mistério da cruz do Senhor.
         Hoje o Evangelho nos convida a participar da cruz. Esse é, portanto, o tema central da nossa homilia.
          A cruz é altar das nossas renúncias e local onde oferecemos nossa vida, inclusive como “sacrifício, santo e agradável a Deus” (2ª leitura – Romanos 12,1-2). Nela matamos nossa vontade própria para que o amor possa colocar-se a serviço do Reino, servindo cada irmão pequeno do Senhor.
         Na 1ª leitura (Jeremias 20,7-9), o profeta, seduzido por Deus, nos mostra como a força da Palavra de Deus nos seduz e nos rende ao seu amor. A força da palavra seduz, é sedutora. Mas essa sedução é antes vista no seu aspecto positivo, em que, aquele ou aquela que é seduzido, não perde a sua liberdade e corresponde com liberdade operativa, para se tornar ministro e instrumento da mensagem do amor misericordioso e salvador. Todavia, a força da Palavra que seduz não nos isenta de humilhações e sofrimentos, por causa da Palavra mesma. O profeta experimentou esse sofrimento em sua pele por ter sido fiel a Palavra que o convocou. Chegou até a ficar desgostoso e se queixou, dispondo-se a largar tudo, expressando sua tristeza desse modo: “A Palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de humilhação e de chacota o dia inteiro”. Nós, como ele, quando profundamente prostrados sob o peso de tais humilhações, pensamos também em desistir, abandonar tudo, fechar-se em si mesmo e buscar caminhos alternativos que nos leve para longe do compromisso com a missão recebida e livremente aceita – “Não quero mais lembrar-me dele, nem falar em nome dele”. Todos, sem exceção, já fizemos experiências semelhante. E é justamente quando chegamos ao nível mais profundo da nossa humilhação e sofrimento, que podemos experimentar um fogo a nos consumir interiormente, destruindo nossos medos, incertezas e dúvidas. É a hora em que, abertos ao Espírito recebido no batismo, sentimos o amor do Senhor renovando a chama do seu amor acesa em nós. É daí que saímos transfigurados.
         É justamente nesse momento que sentimos a força do Senhor a nos encorajar a participar da sua cruz, quando, então, estaremos rendidos ao seu amor e já totalmente seduzidos. A partir desse momento já não há mais como fugir. A cruz e a Palavra estão tão unidas a nós e nós a elas como que formando uma sintonia de amor, ao ponto de não termos mais medo de descobrir Deus na Cruz, onde também estamos crucificados com ele, para com ele e nele, anunciarmos a força do amor que transforma e comunica nova vida. Nesse ponto da caminhada, podemos dizer com o profeta: “Seduziste-me Senhor e eu me deixei seduzir. Fostes mais forte e vencestes!”. É esse amor que nos chamou a sermos testemunhas de esperança nesse lugar onde estamos (Itaporanga), há setenta e cinco anos. Por isso, não nos preocupa saber que para alguns nosso estilo de vida não exerce atrativo. Antes, importa-nos saber que, aqui somos chamados a dar testemunho da nossa esperança, seja através da Liturgia, seja através dos trabalhos pastorais assumidos legitimamente, mas, sobretudo, da forma como vivemos o amor entre nós. É na oração que descobrimos a luz que ilumina a nossa missão – “Vosso amor vale mais do que a vida: e por isso meus lábios vos louvam” (Salmo 62,4).
         Queridos irmãos e irmãs, o Evangelho nos leva a Cesaréia de Felipe, certamente uma região onde Jesus não era reconhecido como messias e salvador. Lá, Jesus, recebe a profissão de fé dos seus discípulos – “Tu és o messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). A cruz já se descortina no horizonte da missão e da vida de fé de Jesus. Sim, ele é o messias, mas, um messias servo, o que desconcerta as expectativas dos discípulos quando a seguir, ele lhes prediz pela primeira vez, a sua paixão, morte e ressurreição em Jerusalém. Tal anúncio os faz perceber quanto Deus é realmente diferente da experiência que tinham até então. Pedro reage dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!” (v.22). É uma resposta consolo? Ou realmente medo de descobrir o Deus amor? A segunda questão é mais certa, pois tanto eles, como nós hoje, temos medo da cruz, não queremos conhecer Deus dessa forma. Mas a verdade é que Deus quer dar a se conhecer pelo amor-serviço para a vida do mundo. A repreensão de Jesus é muito dura e severa. Ele não está afirmado que Pedro é satanás, mas apenas está dizendo, que toda vez que não queremos conhecer Deus como ele quer se revelar, nos tornamos satanás, isto é, alguém que como satanás, quis desviar a atenção de Jesus do plano salvífico e redentor. Por isso, Pedro se torna naquele momento uma pedra de tropeço. Quando não somos capazes de enxergar as coisas na perspectiva de Deus, nos comportamos como um satanás, isto é, o divididor, aquele que não quer servir, mas seduzir pelas falsas sensações de segurança, bem estar e prazer, para escravizar, oprimir e matar.

         O verdadeiro discípulo missionário é chamado a confessar sua fé no “Cristo, o Filho de Deus vivo”, mediante sua participação no mistério da cruz. Antes, vista como um sinal de maldição e escanda-lo, tornou-se, no dia da entrega do Senhor, o altar onde o amor se imola para dar vida ao mundo. Só quem é capaz de abraçar a cruz e renunciar aos seus projetos pessoais, morrendo cada dia a si mesmo, é capaz de chegar a conhecer verdadeiramente Deus e seu plano de amor, pois, não é possível conhecer Deus sem a cruz. Quantos ao longo da história da Igreja descobriram o segredo que a cruz encerra, ao ponto de se deixarem seduzir por sua mensagem para viver a vida cristã com uma grande paixão de amor pelo reino.

         Jesus para voltar ao Pai, passou pela via dolorosa da cruz e nos convida a segui-lo pelo mesmo caminho: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga... (v.24). Na cruz, o homem Deus se esvazia da sua glória e assume a condição de servo (Filipenses 2,6-11). Abraçando-a com amor e alegria, cada batizado, já associado a ela pelo seu batismo, é convidado a esvaziar-se de sua vaidade e ambição a todo e qualquer projeto humano. Querer ser isso ou aquilo, nos mostra o quanto ainda estamos longe do autêntico caminho para um discipulado serviçal.
         Irmãos amados, o mundo espera ver nosso testemunho de serviço abnegado. Os que testemunham o amor através do serviço incendeiam o mundo, convertendo-se, assim, em sinais luminosos para um mundo de esperança. A nossa comunidade está dentro do mundo, não para ser mundana, mas para ser solidária com a luta do seu povo, mesmo que nessa luta, ela tenha que abraçar a cruz. Só então, poderemos compreender o alcance da expressão paulina há pouco proclamado na segunda leitura (Rom 12,1), “Eu vos exorto, pela misericórdia de Deus, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto  espiritual”. A comunidade deve brilhar não tanto pelo esplendor na sua beleza litúrgica (não descuidar também da liturgia), mas ser, sobretudo, uma liturgia viva pelo amor e o serviço da caridade.
         A liturgia de hoje nos trouxe algumas inquietações. O contrário seria preocupante, pois nos mostraria uma religião alienada e anestesiada diante da dor e sofrimento de tantos irmãos e irmãs. As inquietações que foram surgindo ao longo de nossa reflexão, servem para percebermos se estamos ou não acolhendo as inspirações ou apelos do Espírito Santo.

         Finalmente, uma palavra a nos encorajar quando estivermos sentindo cansaço ou perdendo as motivações da nossa esperança. Com o salmista (Sl 118,107) poderemos rezar: “Ó Senhor, estou cansado de sofrer; vossa Palavra me devolva a minha vida”. Depois da cruz, o Pai nos devolve a vida em sua plenitude.



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